sexta-feira, 10 de agosto de 2012
UMA FAMÍLIA
Hora
do almoço, num restaurante. Os dois moleques chegam contrariados,
talvez porque os pais não lhes satisfizeram os gostos. O galeguinho,
que está de costas para mim, parece ser bem comportado: vejo-o mexer
quietamente na orelha direita, como se estivesse distraído. Já o
moreninho, que vejo de frente, faz caras e bocas de malandro, e
vai-não-vem debruça-se sobre a mesa para falar com o irmão em tom
conspiratório. O pai, alto e barrigudo, moreno, barba de três dias,
calça social e chinelos, foi fazer os pratos com a mãe; antes
mandou os moleques guardarem o lugar: diante deles, sobre a mesa, a
bolsa da mãe, uma bolsa grande e mole, parece um animal morto. Os
pais voltam com os pratos e todos começam a comer. A mãe é morena,
tem os olhos grandes e expressivos, o nariz afilado; veste calça
jeans e camiseta (e logo vejo que não é mãe: não usa aliança em
nenhuma das mãos e é jovem e bonita, jovem demais para ser mãe dos
moleques) e gosta de tatuagens: tem estrelas no ombro esquerdo e nos
pés (por sob a mesa vejo seus belos pés calçados em escarpins). O
pai é autoritário: resmunga, diz aos meninos o que devem e o que
não devem fazer (ouvi-o dizer para o galeguinho, rosnando: “Tire
os pés da cadeira!) e mantém um ar distante (os filhos, penso, são
para ele duas coisas, duas sacolas que ele colocou nas cadeiras
enquanto come). A madrasta (feio nome para uma moça tão bonita),
por sua vez, parece amiga dos dois: conversa e sorri. Que fazem
aqui?, me pergunto. De onde vêm? Que foi feito da mãe dos moleques?
Será que os moleques gostam do pai? Será que respeitam a madrasta?
Continuo observando-os, entre uma garfada e outra. A madrasta parece
satisfeita: vejo-a piscar para o pai, não consigo imaginar por quê.
Pouso os olhos nele: fixo-me em suas sandálias gastas, em seus
calcanhares sujos; examino sua cara severa, sua barba negra, seus
olhos duros... Que motivos ela tem para estar satisfeita? O moreninho
come com preguiça, a cabeça apoiada na mão direita; o galeguinho
pensa em colocar os pés na cadeira e súbito recorda a severa
recomendação do pai. Termino de comer. Preciso voltar ao trabalho.
Levanto-me e me afasto devagar. Deixo-os para trás. Provavelmente
não tornarei a vê-los. A tarde é ensolarada, uma agradável tarde
de agosto. Há uma leve melancolia nessa tarde clara. Provavelmente
não tornarei a vê-los.
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