segunda-feira, 19 de março de 2012

A NOITE ESTÁ SÓ COMEÇANDO

Ela é morena, bem brasileira, do jeito que os gringos gostam. Ela diz: "É forró de pé-de-serra", e os gringos não entendem nada. Ela requebra e repete: "Forró de pé-de-serra". E continua dançando, um copo na mão. "Tradicional", diz. "É uma música tradicional". E os gringos parecem começar a entender. Um fala inglês, outro italiano, outro castelhano. Julgo ter ouvido algo parecido com o alemão. O que fala castelhano agora está tomando aulas de forró. É duro como pau de vassoura, e a certa altura desiste: solta-se, remexe os braços, agacha-se diante da morena, que parece sorrir. Daqui de cima, da janela do meu quarto, no sexto andar, não consigo vê-los direito lá embaixo. Não há dúvida de que a pousada é um sucesso. Prova de que a propaganda boca a boca funciona: quem vem volta contando que a pousada é boa, a gente se diverte muito, coisa simples, sabe?, os quartos nos fundos, num puxadinho, umas redes na lateral, ontem a gente dançou e bebeu a noite toda com umas brasileiras etc., etc. A pousada vive cheia, mesmo nos períodos de baixa temporada. Daqui de cima, os cotovelos bem apoiados no peitoril da janela, vejo-os para lá e para cá no pátio pequeno, entre a casa, onde provavelmente moram os proprietários, e os quartos dos fundos, onde provavelmente ficam os alojamentos. Um dos gringos, o que fala inglês, um sujeito de cabelos e cavanhaque brancos, mais animado que os outros, provavelmente mais bêbado também, enfia uma sacola plástica na cabeça e sorri de modo estranho: ru, ru, ru, enquanto aponta para uma das brasileiras, que requebra distraída. Enquanto isso, o italiano começa uma brincadeira sem pé nem cabeça: levanta um braço, o dedo indicador em riste, e se dirige a uma das brasileiras; desce o braço devagar, o dedo ainda em riste, e toca na ponta da cabeça dela, e aí ela começa a girar sobre si mesma enquanto levanta o braço imitando o italiano e se dirige ao argentino (ou chileno, ou uruguaio, ou peruano, sei lá) e o toca com o dedo em riste, e este também começa a girar, levantando o braco, etc., etc. Um loiro, de cabelo longo preso num rabo de cavalo, aparece no pátio, inclina-se sobre uma caixa de isopor e desaparece: provavelmente pegou uma cerveja. Um sujeito magro, que eu não tinha visto até então, surge pela lateral e para no meio do pátio, um copo na mão, conversando com alguém que não posso ver. Quantas pessoas mais, me pergunto, estão lá dentro? Afasto-me da janela para escovar os dentes e ouço uma onda de risos. O forró continua. A gringalhada, penso, enquanto escovo os dentes diante do espelho, vai ter o que contar quando chegar em casa. A noite está só começando.

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