sexta-feira, 9 de março de 2012

A VIDA É ESTA

Eis que vou até a estante e pego o Cisne de feltro, do Paulo Mendes Campos. Há alguns dias, não sei exatamente por que (as saudades literárias surgem do nada, ou de muito pouco, como, aliás, a maioria das saudades), tive a ideia de relê-lo. Há quanto tempo não o lia? Três, quatro anos? Eis que folheio o livro, à procura de uma boa crônica. (Um parêntese: como escrevia bem, o Paulinho! Será que há gente escrevendo como escreviam o Paulo Mendes Campos, o Rubem Braga, o Fernando Sabino, o Otto Lara Resende? A crônica, aquele registro coloquial, doce, suave e descompromissado – mas nem por isso superficial –, morreu?) Deparo-me, pois, com uma crônica chamada Rua da Bahia. A Rua da Bahia, segundo o Paulinho, era uma rua quase mítica (“a Rua da Bahia era naquele trecho o lado feérico dos habitantes, a fantasia, a inquietação”), um local aonde as pessoas iam para satisfazer – ou tentar satisfazer – seus desejos, uns mais confessáveis que outros. Os detalhes, bem, só lendo a crônica. Mas o que importa dizer é que quando li a crônica pela primeira vez, ela não despertou em mim nenhum sentimento especial. Creio mesmo não tê-la considerado das mais interessantes. Mal sabia eu, então, que anos depois, e completamente esquecido de tê-la lido, percorreria a Bahia atento às suas lojas, às suas calçadas velhas, aos seus prédios antigos. Era um sábado à tarde, e a Bahia, e na verdade toda a Belo Horizonte (como qualquer cidade de interior que se preze), estava fechada. Pois bem. Eis que agora, ao reler a crônica, caio numa espécie de estupor: como o mundo dá voltas! Naquela época não podia imaginar jamais ir a Belo Horizonte! Que tinha eu com Minas? Que tinha eu com Belo Horizonte? Minas e Belô, para mim, eram duas coisas: o Clube da Esquina (o Milton Nascimento, o Beto Guedes, o Lô e o Márcio Borges, o Toninho Horta, etc.) e um outro clube, sem nome: o Paulo Mendes Campos, o Fernando Sabino, o Otto, o Hélio Pellegrino. Alcançava-os com discos e livros, sem precisar sair de Arapiraca. E eis que anos depois, por caminhos e motivos inescrutáveis, chego a Belo Horizonte pela terceira vez (sou quase um habitué) e me hospedo no velhíssimo Othon da Afonso Pena, diante do Parque Municipal, ao lado da Rua da Bahia. E subo a Bahia e desço a Bahia, e vejo, gravada numa escultura, no cruzamento com a Avenida Álvares Cabral e com a Rua dos Guarajaras, a frase referida por Paulinho logo no início da crônica: A vida é esta, descer Bahia subir Floresta. A Bahia eu subi e desci; o bairro da Floresta, mais para lá, do outro lado da Afonso Pena, eu vi de longe, da janela do meu quarto: preferi não descer. Mas concordo: a vida é esta.

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