segunda-feira, 23 de julho de 2012

PASSARINHO VERDE

Não era a primeira vez nem seria a última. Quer dizer, seria. Ele estava no quarto de cima. Ela subiu as escadas devagar (ele estava digitando no computador quando ela abriu a porta; ele parou e ficou ouvindo) e quando chegou lá em cima (ele teve uma súbita vergonha de estar usando uma camisa branca velha, encardida, e a bermuda folgada, desbotada, de que ela tanto reclamava) sorriu daquele jeito de sempre: o sorriso de quem não quer sorrir, de quem sorri apenas por obrigação, e fala, e beija, ai, e vive sob o mesmo teto. Não é a primeira vez, pensou. Mas seria a última. Trocaram as palavras de sempre, que sabiam a ranço, cansaço e tristeza. Ela se afastou, foi para o quarto. Ele foi até a janela. Naquela mesma noite, enquanto ela dormisse, arrumaria a mala. Imaginou a sala escura, de madrugada. E teve certeza de que no dia seguinte, quando ela chegasse ao trabalho, as colegas diriam: "Você está diferente, parece que viu um passarinho verde".

Nenhum comentário:

Postar um comentário