quinta-feira, 5 de abril de 2012

O LEGADO DA NOSSA FRAGILIDADE

Eu estava lanchando quando uma mulher de seus trinta e poucos anos aproximou-se e sentou-se ao balcão. Não pude deixar de observá-la, pois veio em minha direção, como se fosse falar comigo. Usava um vestido estampado, simples, e vestia meias de compressão. Trazia uma bolsa vermelha a tiracolo, tinha os cabelos presos num coque. Não era bonita nem feia. Sentou-se, pediu um suco de laranja e um salgado. Só. E ali, ao observá-la, senti uma ligeira inquietação. Não, inquietação não é palavra adequada. Mas não sei, afinal, qual é a palavra adequada. O fato é que, observando-a, achei-a frágil, sem que para isso houvesse nenhum motivo particular. Teriam sido as meias de compressão? Teriam sido os braços magros, fininhos, que notei quando chegou mais perto? Teria sido o rosto com marcas de espinhas antigas, que observei com o rabo do olho? E súbito compreendi: eu havia reconhecido uma verdade. Ela era, sim, frágil. E o cara ao lado dela, que chegou com o filho, um cara gordo, de óculos, careca, também era frágil. Olhei para mim mesmo enquanto mastigava minha empada e vi como eu era frágil. E atinei, finalmente, para o quanto todos nós somos frágeis. Filosofia de botequim, sem dúvida. Sou dado a filosofias de botequim. Bem. Escolha qualquer pessoa e a observe. Você verá como ela é frágil e patética e digna de compaixão. Mesmo as bonitas, quiçá especialmente as bonitas, todas são dignas de compaixão. Repare nos defeitos, que sempre os há: repare nas canelas finas, na bunda batida, repare na orelha grande, na boca torta. Mas repare também no nariz perfeito, nos seios empinados, nos bíceps volumosos. Repare nas roupas, tão frágeis e patéticas e dignas de compaixão (tudo o que se relaciona com o ser humano é patético e frágil e digno de compaixão): repare na bolsa humilde e na calça esgarçada, repare no vestido chique, na gravata cara, nos óculos de grife. Tudo é tão pequeno e frágil, tudo é tão precário, tudo é tão vão. E, que coisa surpreendente, nós vamos vivendo como se isto não fosse conosco. Vamos vivendo como se tivéssemos domínio sobre as coisas, sobre as circunstâncias. Vamos vivendo, enfim, como se fôssemos os senhores feudais da vida. E no entanto tudo que tocamos, tudo que construímos, tudo que pensamos, a tudo isso nós transmitimos, como uma doença, o comovente legado da nossa fragilidade.

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