terça-feira, 5 de junho de 2012

SONHO

Eu ouvia a voz dela no rádio e me apaixonava perdidamente. Por uma voz, eu me dizia, sozinho na madrugada insone, logo por uma voz, eu me dizia. E era uma voz de menina e de mulher, e eu imaginava um rosto suave como seda e eu imaginava uns cabelos suaves e frescos como uma noite de primavera e eu imaginava um sorriso de dentes perfeitos e me dizia, irremediavelmente apaixonado ou me apaixonando irremediavelmente, eu me dizia, Quem será, quem será, e esperava que o locutor, cujo nome eu não sabia, esperava que o locutor mencionasse o nome dela, ou que ela mesma, como a gente costuma fazer, dissesse algo do tipo, Então minha mãe me disse, Laura (ou Maria ou Beatriz ou Luisa), a vida é dura (a mãe dela estava dizendo), a vida é dura e você tem que seguir em frente. Porque ela estava justamente falando da vida, contando suas histórias com tanta graça, com uma voz tão doce. Mas nem ela nem o locutor disseram nome nenhum, nada, e eu me pus a imaginar que os outros ouvintes, se é que havia outros ouvintes, sabiam seu nome, e eu me pus a imaginar que sairia perguntando para os meus amigos, primeiro os amigos e depois os desconhecidos, se eles tinham ouvido a entrevista da madrugada do dia tal naquela rádio obscura cujo nome eu não conhecia nem a frequência eu sabia qual era, pois estava escuro no meu quarto escuro enquanto eu mudava de faixa. Então eu perguntaria, não sei se fingindo um vago interesse ou se abertamente assumindo meu desespero apaixonado, eu perguntaria e eles responderiam que não, que não tinham ouvido a tal entrevista, e eu começaria a achar que tudo tinha sido um sonho, eu estava sonhando, eu não estava acordado mas sonhando, um sonho sem imagens, um sonho só de voz, sonhei que ouvia no rádio uma voz doce e suave, que falava da vida de um modo tão doce e tão terno, como uma amiga antiga falaria ao meu ouvido, e mesmo que não fosse sonho aquela voz na madrugada, mesmo assim eu não a ouviria jamais, eu jamais ouviria aquela voz novamente, pois ninguém sabe, ninguém conhece, ninguém nunca ouviu aquela entrevista.

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