segunda-feira, 28 de maio de 2012

EPÍTOME

Essas mãos brancas (aliás, toda ela branca) de unhas sem esmalte (as unhas das mulheres muito brancas, quando não pintadas, traem um não sei quê de fragilidade), esses antebraços ossudos, de veias visíveis, esses cabelos quase brancos de tão loiros, de tão pálidos... Observo-a entretida, mexendo no celular, selecionando uma música, os fones de ouvido postos, os fones de ouvido sobre seus cabelos loiros como uma tiara. Vai ouvi-la agora, a música, enquanto o vagão não sai (estamos no metrô), vai começar a ouvi-la e o vagão sairá e ela ouvirá a música por dois, três minutos (a não ser que seja uma ópera, uma longa sinfonia, uma longuíssima balada) e depois, enquanto olha pela janela o mundo ficando para trás lá fora (na escuridão do metrô o mundo é apenas um borrão escuro e indistinto, os túneis que vão ficando para trás), ela esperará que outra música comece, aquela vai acabando, outra vai começar. Assim, distraída, parece que o seu futuro é a próxima música, ou a estação em que vai descer, ou o almoço de mais tarde, quando tiver resolvido as coisas que tem que resolver, quando tiver conversado com as pessoas com quem tem que conversar. Eu a observo sem ser observado (pelo menos não por ela) e penso que é reconfortante que esteja entretida e penso que o mundo todo, nesse momento, entrou nos eixos, como o vagão veloz sob a superfície, e que está tudo certo, o trabalho, a hora do almoço, tudo vai acontecer como tem que acontecer e não há por que se incomodar. Eu penso estas coisas (não penso bem mas sinto bem) e, olhando a loira tão loira e tão branca, olhando suas mãos brancas de veias ramificadas, seus antebraços magros, puros feixes de músculos (seus braços e seu tronco os recobre uma camiseta preta simples, sem estampas), penso que ela é a epítome deste momento, deste vagão inteiro, do mundo e do tempo aqui dentro contidos. Ela resume bem o que se passa com a outra loira ao seu lado, que com o olhar vago pensa talvez nos filhos ou no marido ou na mãe velhinha mas não se incomoda, e o que se passa com a negra que lê, concentrada, segurando-o com apenas uma mão, um livro grosso e sério e não se incomoda, e o que se passa com o casal bem atrás dela, parecem apaixonados e cansados e pensam, imagino, “Daqui a pouco chegaremos ao nosso destino e por enquanto é bem que nos separemos, por enquanto, só por enquanto” e não se incomodam. Ela, eu dizia, é a epítome desse momento, o elemento principal deste quadro, ela em primeiro plano e o resto de nós, meio borrados, em segundo, e é importante que permaneça assim, distraída, despreocupada, como se não houvesse nada no mundo a não ser a música que ouve e a música seguinte, ou no máximo o almoço de mais tarde.

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