Por
dois motivos principais eu queria crescer. Primeiro para pegar as
coisas que os meus pais ou os meus tios ou mesmo os estranhos (não
sei com que autoridade estes últimos faziam isso) colocavam em cima
da estante. Não foram poucas as vezes em que fiquei pregado ao chão,
com carinha de inocente, olhando para o objeto do meu desejo lá no
alto. Às vezes só via a pontinha dele: a pontinha de uma caixa, de
um brinquedo confiscado, de um cristal, etc. (Saibam, oh, adultos, que
poucas coisas traumatizam mais uma criança que o brinquedo ou o
cristal no alto da estante.) O segundo motivo era sair sozinho de
casa. Uma vez quis ir sozinho para a escola – até para a escola! –
porque nesse dia, era um dia de chuva, os adultos discutiam quem ia
me levar, empurrando uns para os outros a obrigação. Lembro de ter
dito, resoluto: Vou sozinho, ao que me responderam silenciosamente com uns olhos que
diziam Ora, por favor. Quando finalmente perceberam que eu
acompanhava a discussão (afinal ela me dizia respeito),
envergonharam-se, imagino, e se decidiram: alguém me levou. Mas
havia outros motivos para que eu quisesse crescer (não tão
importantes quanto aqueles, claro), cada um deles adequado a
diferentes épocas de crescimento. Quando fiquei um pouquinho mais
velho, por exemplo (velho, aqui, quer dizer nove ou dez anos), eu
queria crescer para poder namorar, essa coisa de que todos falavam com urgência, emoção, segredo ou despeito. O fato é que os adultos
me avisavam, sem proveito, que crescer não tinha retorno e que eu
não gostaria tanto de ter crescido quando enfim crescesse. Não
adianta: as crianças são teimosas por natureza e enquanto não
sofrem na pele a experiência da realidade (afinal, nunca se sabe se
os adultos estão dizendo a verdade ou não), fazem ouvidos
moucos para conselhos, avisos e quejandos. Bem. Hoje alcanço as coisas
no alto das estantes, saio sozinho quando quero e há muito percebi
que os adultos tinham certa razão, mas só certa. Mas aí já era
tarde: eu tinha crescido.
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