terça-feira, 15 de maio de 2012

NEOBUDISMO

Tenho imensa pena do cachorro fuçando o lixo: suas patinhas sujas, seu focinho úmido, suas costelas pronunciadas, dá tanta pena. Tenho imensa pena do gato cinza que vi no meio do cruzamento: desistiu de passar no último instante e agora não se decide a ir nem a voltar, os carros zunindo ao redor dele. Tenho imensa pena da menina que vi há pouco, olhando com olhos apaixonados o namorado que não lhe era indiferente nem nada e que na verdade não cheguei a ver: estava de costas para mim, e também ele me deu pena. Tenho imensa pena do bebê chorando: a mãe já vem, já vai chegar, mas mesmo assim dá tanta pena ver aqueles bracinhos, aquelas perninhas frenéticas. Tenho imensa pena do homem rico que vi descer do esplêndido carro e olhá-lo com orgulho – um carro! –, que imensa pena de sua barriga próspera. E tenho imensa pena de mim mesmo: como devo dar pena quando as pessoas me olham e se fixam em mim (comendo ou lendo ou esperando ou sorrindo)! Todo mundo, penso (ou melhor, o mundo todo), dá pena se a gente presta atenção, se a gente presta atenção ainda que seja por alguns instantes.

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