terça-feira, 8 de maio de 2012

LIXO

Cheguei à varanda quando ele já estava se levantando. Alcancei a ver que estava vestido de preto (uma camisa preta folgada) e que estava de bermuda. Vi pouca coisa mais: vi que tinha um saco plástico grande e que ao levantar-se jogava o saco, meio cheio ou meio vazio, sobre os ombros. Afastou-se sem olhar para trás, como que despeitado. Deixou para trás um pequeno monte de lixo: uns papéis, uns sacos plásticos, uma que outra coisa que não reconheci. Então, quando sumiu do meu campo de visão (perdeu-se atrás do prédio vizinho ao meu, à direita), olhei para o outro lado e vi mais lixo espalhado pelo chão, sobre a calçada, e, ainda mais para a esquerda, vi um monte grande de lixo, sacos plásticos azuis e pretos, sacos plásticos brancos, papéis e outras coisas indistinguíveis, que ele havia (dava para perceber) remexido depois de tirá-las do contêiner onde repousavam enquanto não passava o caminhão de lixo que iria recolhê-las. Uma bagunça. Olhei ao redor: vi um carro preto estacionado deste lado da calçada; vi uma casa com uma janela aberta e pela janela vi uma televisão ligada; vi luzes acesas nalgumas janelas dos prédios do outro quarteirão. E pensei que os porteiros, tanto o porteiro do meu prédio quanto o do prédio vizinho ao meu, certamente tinham visto quando ele, o cara da camisa preta folgada, remexera o lixo, quando ele bagunçara o lixo, quando ele, com desfaçatez, com desprezo (sim, eu estava certo de que ele agira com desprezo), esculhambara o que por si já é esculhambado, mas que nós, por não sei que pudor, tentamos ordenar. Nós recolhemos o nosso lixo em sacolas e os colocamos bem arrumadinhos na porta de nossas casas ou apartamentos ou em contêineres especiais (sempre arrumadinhos), nós pegamos o nosso lixo o levamos lá para fora, ou o colocamos ali no canto, à porta da escada de emergência do nosso prédio. Pegamos o lixo com a ponta dos dedos, como se não fosse nosso, como se não tivéssemos responsabilidade sobre ele, como se outra pessoa o houvesse entregado a nós e agora tivéssemos que nos desfazer dele, que povo porco. Pois ele, o cara da camisa preta folgada, com desfaçatez, com arrogância, esculhambara o que nós tínhamos tentado organizar. Esculhambara o nosso lixo e os porteiros nem para dar o alarme. Ele espalhara tudo na calçada e saíra sem olhar para trás, sem se preocupar. Ele, de alguma maneira, o infame, ele nos expusera.

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