quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

SÓ POR CAUSA DE UMA FOTO

Vejo uma foto do pequeno Totó, o personagem principal do filme Cinema Paradiso. Ele segura diante dos olhos, na vertical, um pedaço de rolo de filme. Em seu rosto brilha um sorriso de pura felicidade, a felicidade de quem descobriu uma maravilha. Em poucos filmes, aliás, vi uma interpretação tão espontânea quanto a de Salvatore Cascio, o ator, que, por coincidência, tem o mesmo nome do personagem (Totó é o apelido de Salvatore). Observo seu sorriso aberto e seus dentinhos tortos, e comovo-me com sua orelhinha de abano estilo Topo Gigio. (Que pena, penso agora, que Totó tenha crescido: hoje deve ser um homem feito.) Leio que Salvatore, o ator, foi escolhido entre as crianças da cidade de Giancaldo, hoje chamada de Pallazo Adriano, em Palermo. Destacou-se por decorar com facilidade as falas e a marcação. Mas volto à imagem. Totó está olhando um pedaço de rolo de filme, um sorriso estampado no rosto. Veste um terno cinza, amarfanhado. Não há sinal de gravata. Um colete projeta-se sob a lapela. Em que lugar se passa a cena? Ao fundo vê-se uma parede bege, irregular. Atrás de Totó vê-se o batente de uma porta. Pode ser que esteja em sua própria casa (se bem me lembro, Totó havia levado uns pedaços de filme para casa). Pode ser, também, que esteja na sala de projeção de Alfredo. Tenho uma súbita vontade de ver o filme novamente, pela quarta ou quinta vez. Busco mais fotos na internet: vejo Salvatore (o personagem) adulto, de cabelos brancos, e vejo Alfredo, de óculos escuros, depois do acidente. Vejo a cidade de Giancaldo. 


Esta última foto, aliás, é particularmente encantadora: tirada talvez de cima do campanário da igreja, mostra a praça central (na verdade a praça é somente uma espécie de fonte), e, ao seu redor, a fauna da cidade: gente recolhendo água, um cavalo puxando uma carroça, três bois, um cachorro – e, à direita, no canto inferior, próximo ao cachorro, um homem encostado à parede de uma casa. É uma bela foto. Tem os elementos de simplicidade que despertam em mim um estranho desejo de partir, coisa que de vez em quando sinto. Eu moraria num lugar assim. Escolheria aquele sobrado, quase no centro da foto. Um sobrado de três andares, com toldos marrons protegendo seus minúsculos balcões superiores. Eu moraria ali, no terceiro andar, onde está aquele primeiro balcão, da esquerda para a direita. De manhã, depois de me levantar, iria até a varanda para saudar o dia. Debruçado sobre o parapeito, aspiraria a longos haustos, e, sem pressa, passaria os olhos pelos velhos telhados. Sinto agora uma estranha nostalgia: uma nostalgia do que não tive – a nostalgia de um lugar em que não vivi. Sinto na garganta um leve travo de tristeza: a tristeza pelo que não foi nem será. Olhando essa foto, tirada assim do alto, sinto-me como se estivesse me despedindo de Giancaldo. Tenho vontade de acenar para as pessoas em volta da fonte, para o homem encostado na parede. Até as sombras projetadas no chão me comovem. E eu continuo me afastando, os olhos fixos naquele quarto que nunca foi meu, nos telhados velhos, nos montes a distância. E tudo isso só por causa de uma foto.

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