quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

TODO DIA

Por que nos olham desse jeito? Sabem o efeito que provocam e fazem de propósito, ou simplesmente estão sendo sinceros? Sofro, parecem dizer. Hoje de manhã um deles me olhou assim. Magrinho, uma camisa enorme sobre o corpo (seu pescoço magro balançava dentro da gola folgada), estendeu a mão e me olhou desse jeito e eu fiz um gesto negativo com a cabeça e com a mão: não tenho. E ele continuou me olhando, e foi aí que eu pensei: por que ele me olha assim? Por que sustenta o olhar durante tanto tempo? Talvez seja por isso que muitos motoristas fingem não notá-los. Já pensei que fosse indiferença, mas agora tenho minhas dúvidas. Talvez tenham ficado cansados de tantos olhos tristes. Mas não é só com o olhar que eles nos afetam. Semana passada um deles veio por entre os carros: tinha uma cara boa, de menino bom, e vinha com a mão estendida. O sol estava a pino, no céu não havia nuvens, e o asfalto estava quente como lava. Veio por entre os carros, sem pressa, a mão estendida. E notei seus pés descalços. Claro que a sola dos seus pés não era mais como a sola dos meus pés. Talvez, pensei, tivesse a textura de uma casca de árvore, ou de uma lixa. Pois ele não parecia sentir o calor que reverberava do asfalto, e vinha tranquilo, vestindo uma camisa enorme (todos eles vestem camisas enormes) e uma bermuda folgada, suja. E me olhou pelo para-brisa do carro e não disse nada, não fez nenhum gesto, não mudou de expressão: só me olhou enquanto eu fazia que não com a mão e com o rosto, e compunha uma expressão facial do tipo Não vai dar. E ele passou, pisando tranquilo e infalível o chão de lava. Todo dia há um moleque novo na rua; todo dia vejo uns olhos tristes e pidões; todo dia eu nego e todo dia me inquieto: por negar, por eles pedirem, por eles pisaram com pés descalços o asfalto quente. Quantos mais virão? Quantos mais aparecerão a cada dia? E que terá sido feito daqueles que lhes cederam lugar, daqueles que somem de repente? Para onde vão os que são substituídos?

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