segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

DE UM JEITO OU DE OUTRO

“Duas vezes, só duas vezes nesses anos todos, ele me perguntou: Onde está Fulana? Então eu respondia: Estou aqui, homem.” Ela nos contava, mais uma vez, suas histórias: a cada visita eu ouvia uma história nova, e não achava ruim. Tinha quase oitenta anos. Seus olhos, pequeninos, brilhavam; sua pele, lisa e firme (usava um vestido de mangas curtas, que deixava os braços à mostra), não parecia a de uma pessoa idosa; suas unhas, tanto as dos pés quanto as das mãos, estavam muito bem pintadas, como sempre. “Só duas vezes”, ela repetiu. E continuou: “O resto do tempo não me esquecia, mas era como se estivesse rodeado de gente, tão rodeado que era difícil perceber quem estava ao redor.” Ela havia dito, em outra ocasião, que não era incomum que ele de repente começasse a falar de pessoas que já haviam morrido há muito tempo, gente às vezes tão antiga que nem ela mesma sabia direito quem era. Os últimos anos haviam sido particularmente duros, mas ela e a filha haviam cuidado bem dele, limpando-o quando sujava as calças, mantendo-o em casa com palavras doces e dissuasórias sempre que insistia em sair à rua. Eu tentava absorver a atmosfera daquela casa: da cozinha vinha um cheiro bom de comida; de uma das paredes da sala, imediatamente sobre o sofá de onde ela nos falava, pendia um quadro com uma imagem de Jesus Cristo; ao nosso redor, móveis antigos, de mogno, testemunhavam uma organização rigorosa. Mesmo durante a época mais difícil eu nunca havia visto nada fora de lugar: nem poeira sobre os móveis nem objetos em desordem. “Nesses anos todos”, ela disse, “a gente não deixou de cuidar dele nem um só dia”. Eu sabia que era verdade e que não havia vanglória no que ela dizia. Pois tinha havido gente, eu acabara de descobrir, que sumira na hora mais escura e que a criticara. Até então, eu pensava que sua vida era a de um coadjuvante. Depois o ator principal havia ido embora e ela assumira, com modéstia, quase sem perceber, o papel de personagem principal. Mas eu me enganara: ela não havia sido nunca uma coadjuvante. Seu valor, seu talento, sua força, sua vitalidade tinham mantido ordem e coesão em torno de si quando tudo parecia desmoronar. Seu discreto papel agora crescia aos meus olhos: ela havia garantido que todos ao redor dela, os que ali viviam e os que a visitavam, tivessem a impressão, quase a certeza, de que no final tudo daria certo, de um jeito ou de outro.

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