terça-feira, 10 de janeiro de 2012

DEZ

Por que o chamavam de Dez até hoje eu não sei. Quer dizer, talvez alguém tenha me explicado e depois eu tenha esquecido. O fato é que, como acontecia em toda cidade do interior, o Dez era aquele mendigo familiar – aquele que passa todos os dias por nossa rua e que na verdade parece passar todos os dias por todas as ruas da cidade, pois a cidade inteira o conhece – que, acossado por garotos malvados (eu não me encontrava entre estes, mas entre os bobos; eu era dos que se perguntavam por que é preciso maltratar a formiga, o sapo, o grilo, e por que o maltratavam, o Dez: que mal ele tinha feito?), defendia-se da única maneira que lhe era possível: através de xingamentos, pois era velho e alquebrado (não sei se minha memória me engana, mas me lembro de suas costas encurvadas). Os garotos, pois, gritavam ao vê-lo passar: Dez!, Dez! E bastava isso para que o Dez estacasse e se voltasse, como que atordoado, insultado, genuinamente surpreso, como se toda vez fosse a primeira vez que o chamavam assim, e, sem esperar ver o agressor, respondesse (lembro-me de seu gesto, do braço veementemente levantado): “É a mãe!” Era decente, o Dez. Não prorrompia, que eu me lembre, em palavrões mais escabrosos, desses que as crianças hoje em dia dizem a três-por-quatro sob o beneplácito dos pais. “É a mãe” era sua resposta preferida. Outra resposta frequente era “Viado!” Nada mais inocente. Dez!, gritavam os garotos, sorrindo, às vezes seguindo-o de perto, ao que ele respondia: “Viado!” De vez em quando ensaiava um bote, ameaçava dar uma carreira nos meninos, que se afastavam, divertidos. Enquanto isso, as pessoas, em frente às lojas, às janelas das casas, sorriam, gozando a doce cena de cidade do interior. Às vezes até mesmo homens feitos, gente barbuda, velha, juntava-se ao coro e aperreava o velho mendigo, que se voltava para um lado e para o outro, curvado, o rosto cheio de ravinas, respondendo ao vento e para ninguém e para todos: “É a mãe!”. E então, de repente, o Dez sumiu. Tempos depois ouvi falar que havia morrido. Não era improvável: era velho quando o vi pela primeira vez, e galopantemente mais velho ao longo dos anos de insulto. Demais disto, a única certeza na vida dos mendigos, mais que na outras, é a morte silenciosa, despercebida. Qual seria o nome do Dez? Por que o apelido o irritava? Talvez não fosse tanto o apelido, mas a importunação. Talvez o assédio cruel, descabido. As pessoas riam quando passava, coberto de insultos. Bastava que um garoto o visse, mesmo à distância, para que a mangação começasse e imediatamente aparecessem outros garotos para se juntar ao coro. À janela da minha casa, eu o via voltar-se para um lado e para o outro, ameaçando o bote, como uma triste fera enjaulada.

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