segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

O CALDO DE CANA DO SEU ADALTO

Dia desses, tendo vindo à tona numa discussão com amigos a questão tão em voga da higiene dos alimentos, lembrei-me do caldo de cana do seu Adalto, que ficava ali na Pedro Correia, logo depois do cruzamento com a Monsenhor Macedo. Um amigo meu, o Sebastião, garante que o Alceu Valença tomou caldo de cana lá no seu Adalto e gostou. Não me recordo agora se o Alceu também comeu um pão doce, como era de praxe, pois caldo de cana só tinha graça com pão doce. O caldo de cana do seu Adalto, pois, era uma tradição em Arapiraca – bem, se não em Arapiraca, pelo menos na Pedro Correia. Qualquer morador da Pedro Correia que se preze já tomou, pelo menos uma vez na vida, caldo de cana lá no seu Adalto. E, em matéria de higiene dos alimentos, o caldo de cana do seu Adalto era hors concours. O sujeito entrava e sentava a uma das duas mesinhas de madeira do estabelecimento. A um canto ficava o moedor de cana; ao lado, um cesto grande, raso, cheio de pães doces. No chão, atrás das mesas, ficavam as canas já raspadas. Na parede, que se não me engano era de azulejos brancos, ficava pendurado um porta-copos, também de madeira. Sob o porta-copos ficava a pia e, ao lado, um balde cheio de água. Este era o ritual: o sujeito entrava, puxava um dos banquinhos sem espaldar que ficavam sob a mesa e pedia: “Um caldo de cana e um pão doce, seu Adalto!” Seu Adalto, que até então estivera sentado à porta vendo os carros passarem, levantava e ia pegar as canas no chão. Pegava as canas e passava-as pelo moedor uma, duas, três vezes, enquanto o caldo caía num baldezinho de mau aspecto com uma peneira em cima. Então seu Adalto despejava o caldo num copo que havia retirado do porta-copos e ia pegar o pão. Pegava o pão com a mão, claro (lembro vagamente de uns papéis de embrulho marrons... será que o seu Adalto pegava os pães com o papel? Desculpe, seu Adalto), e entregava o pão ao freguês. Aí o freguês comia o pão e tomava o caldo, enquanto o seu Adalto ficava por ali, fazendo qualquer coisa. Então o sujeito terminava de comer e nisso vinha entrando outro cliente. Com aquelas mesmas mãos que tinham feito o caldo de cana do sujeito, seu Adalto pegava o dinheiro que o sujeito lhe entregava, guardava-o no bolso (às vezes contava as notas, mas só às vezes) e imediatamente, enquanto o outro freguês ia sentando, repetia todo o procedimento: pegava a cana no chão, o pão no cesto, etc. Mas o melhor mesmo, a cereja no topo do bolo, era o que o seu Adalto fazia com os copos sujos (os copos do seu Adalto, aliás, guardavam uma estranha semelhança com aqueles copos de molho de tomate Elefante, aqueles da Turma da Mônica). Como é que o seu Adalto lavava os copos? Ora, o balde em cima da pia. Seu Adalto recolhia o copo vazio, enfiava o copo dentro do balde (uma vez tive a oportunidade – ou melhor, a coragem – de olhar dentro do balde: vi uma água escura, puxada para verde), dava umas duas ou três chacoalhadas e pronto: o copo estava prontinho para ir para o porta-copos ali em cima. E a pia? Servia só para jogar a água fora – de vez em quando. Adquiríamos imunidade, especialmente se éramos crianças, no caldo de cana do seu Adalto. Não me consta que ninguém tenha passado mal. Ou que na época existisse esse negócio chamado vigilância sanitária.

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