quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

QUANDO ELE BEM QUER

Eu nunca escolhi mesmo, de verdade, fazer essas coisas”, ele me disse. Eu o olhava, incrédulo. Nunca tinha acreditado em suas justificativas, e pelo contrário: tudo o que ele fazia, seu comportamento de todos os dias, desmentiam-no. De modo que, como disse, eu o olhava incrédulo. “Começou assim, sem eu querer... você sabe.” Por que as pessoas querem nos envolver em suas malfeitorias? Os que dizem “você sabe” são os piores. Eu não sei de nada, meu velho. “Você sabe”, ele repetiu. Não me movi: não disse uma palavra, não assenti, não pisquei o olho. “Comecei a mentir – e aí foi tão fácil, tão simples”. Claro que ele não havia começado a mentir de um dia para o outro. Havia começado a mentir muito tempo atrás, com o pai. (Uma noite, na festa de um aninho de seu filho, conversei com seu pai. Estava visivelmente orgulhoso do primeiro netinho. Naquela noite, como disse, me vi conversando com o velho, que parecia honesto e decente; tinha uma testa larga, e uns belos cabelos brancos. Magro e curtido, parecia a personificação da experiência. Talvez me dissesse alguma coisa sábia, algo do qual eu pudesse extrair algum ensinamento. Porém, sem que eu tivesse perguntado nada, começou a me falar de sua vida sexual. Quis me contar tudo: desde o começo, quando era solteiro e pegava todas, até bem depois, já casado, quando aproveitava o tempo livre. E me disse, piscando o olho: “Eu sou homem, você sabe”.) “Da primeira vez não dormi direito”, continuou. (Quase acreditei nele: o detalhe da primeira vez era bastante convincente). “Mas na segunda eu já me senti melhor.” Eu olhava para a esposa dele, que estava a pouca distância de mim, segurando o bebê, agora com dois anos, cabeludinho, branquinho, inocentezinho. Bonita, a esposa. De uma beleza nobre e triste (era realmente triste? Ou seria eu que a via assim?) Ele continuou: “Mas é a melhor coisa, sabia? A melhor coisa. Eu sou mais marido agora que antes”. E me voltei para ele, surpreso. Creio que arregalei os olhos. Agora me lembrava, a propósito, de uns versos de um poema de Manuel Bandeira. Voltei a olhar para a esposa. “Só não é dele a tua tristeza, ó minha triste amiga! Porque ele não a quer”. Todo o resto, tudo o que era dela, pertencia a ele – era dele quando ele bem queria. Só não a tristeza, que eu agora via clara e bem definida, nos olhos, no sorriso e nos gestos dela.

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