segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

ESSE TIPO AÍ

Hoje vi um garotão malhado estacionando seu carrão numa vaga reservada para idosos. Veio rápido pelo estacionamento do shopping (parecia que estava numa pista de corrida), viu a vaga e, sem hesitação, estacionou. Saiu do carro sozinho, autoconfiante como um astro de cinema. Vestia uma camisa polo apertadinha (Tommy Hilfiger, Polo Ralph Lauren ou Lacoste) e seus bíceps pareciam colinas verticais. Eis aí, pensei, o tipo de brasileiro que a gente admira: o brasileiro que não se sujeita às regras, o brasileiro desenrolado. A gente diz: que ginga, que malemolência, que esperteza tem o brasileiro!, mas não se apercebe, ou não quer admitir (o que é mais provável), que essa ginga, essa malemolência e essa esperteza têm outro nome, um nome bem nosso: jeitinho. E parece, só parece, que a gente já não gosta mais do jeitinho. Mas a gente gosta, e, para mascarar a coisa (consciente ou inconscientemente), dá a ele uma porção de nomes legais (ginga, criatividade, malandragem), nomes que supostamente traduzem nossas “qualidades” como povo. Papo furado. O que a gente mais admira no brasileiro é o que o torna mais primitivo, mais incivilizado. Esse tipo aí, que estaciona carro em vaga de idoso ou de deficiente, é o mesmo tipo que atravessa o carro no estacionamento, ocupando duas vagas ao invés de uma; é o mesmo tipo que pega a contramão para ganhar tempo (o trânsito é uma excelente medida do nosso caráter); é o mesmo tipo que fura a fila com o maior descaramento; é o mesmo tipo que, quando descobre que a alguém ocupa um cargo público, não se envergonha de chegar com ar de quem sabe das coisas e sussurrar: eu sei que você pode dar um jeito; é o mesmo tipo que “come” uma mulher, como ele mesmo gosta de dizer, e no dia seguinte se gaba pros amigos; é o mesmo tipo que toma cerveja enquanto dirige e depois joga a latinha pela janela; é o mesmo tipo que vai à praia e deixa o lixo na areia; é o mesmo tipo que deixa o cachorro cagar na rua e não recolhe a caca. Na minha concepção, esses aí (e são a maioria) estão todos dando um jeitinho. E, pensando bem, são iguais aos nossos políticos. Não é porque fazem bobagenzinhas, amplamente toleradas, que são menos piores que os nossos políticos. Não temos o direito, aliás, de reclamar da nossa classe política. Ninguém de nós pode dizer que está mal representado. As nossas pequeninas baixezas cotidianas, o nosso jeitinho, são o ensaio acanhado, por enquanto tímido, para as grandes sacanagens, para os escândalos públicos. Como nem todos podem estar nas câmaras, assembleias e palácios, há que se escolher uns poucos. Quem sabe um dia, pensamos, ainda não dominamos a arte e a ciência do jeitinho em escala municipal, estadual ou nacional?  Mas volto ao garotão que estacionou o carro na vaga dos idosos. Não duvido que o garotão seja um espelho do pai. O pai deve ser um desses “comedores”. Deve ser o tipo próspero, que bebe uísque esparramado no sofá, sua imensa barriga gelatinosa espalhada para todos os lados, fumando um charuto, contando piadas vulgares sobre como levou a melhor sobre fulano ou sicrano. Meu filho, nunca deixe que levem a melhor sobre você. O mundo está cheio de otários; não seja um deles. Talvez seja político, deputado, vereador ou prefeito, o pai do garotão. Se não for, talvez seja amigo. Mas pode ser que não seja nenhuma das duas coisas. Nesse caso, esparramado no sofá, contando piadas sobre as mulheres que comeu (os olhos do filho brilham: quero ser igual ao meu pai, meu pai gordo e bem sucedido), não me surpreenderia se reclamasse dos políticos e de seus malfeitos (o brasileiro não enxerga a trave no próprio olho). Meu filho, dirá o pai, sentencioso, a própria torpeza sempre tem justificativa; a alheia, não. A torpeza alheia, meu filho, é imperdoável.

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