quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

MATO SEM CACHORRO

Então a coleira do Totó soltou-se e ele, Totó, surpreso, deu uma olhadinha para o dono, que a princípio não percebeu o que havia se passado. Percebeu assim que o cachorro, com a língua para fora, virou-se para uns arbustos mais à frente e, sem esperar uma permissão que sabia que não viria, sem esperar a ordem de ficar, começou a correr. Ao chegar aos arbustos, olhou para trás e se meteu por entre as folhas. O dono chegou bem depois, esbaforido. Pôs-se de quatro e chamou: Totó! Silêncio. Ainda de quatro, tentou entrar pelos arbustos, mas não conseguiu. Eram estranhamente cerrados, aqueles arbustos. Levantou-se, olhou para trás e percebeu que não havia mais ninguém no campo. Desalentado, voltou a ficar de quatro e enfiou, a custo, a cabeça nos arbustos. Com esforço, abriu um pequeno espaço entre os galhos duros e nodosos e entrou mais um pouco. Chamou novamente o cão, que não respondeu. Quando já se dispunha a desistir e voltar, quem sabe contornar os arbustos e encontrar o cachorro do outro lado, teve a sensação de que nada daquilo era real. Não podia estar sozinho num campo onde ainda agora havia dezenas de pessoas, não podia estar tentando penetrar em arbustos tão densos, quase uma floresta, e não podia (só notava agora) estar preso naqueles galhos. A irrealidade instalou-se de vez quando sentiu um calor perto do rosto, algo que só podia definir como um hálito com cheiro de cinzas. A custo virou a cabeça para a direita. E então, em vez do cachorro, viu as narinas infladas, chamejantes como um lança-chamas, e a bocarra enorme, descomunal, uma bocarra que não podia estar escondida nuns arbustos tão pequenininhos, e os olhos inflamados, grandes como bolas de futebol, de um dragão, um dragão, veja só, como naqueles de livros de contos de fadas.

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